Pagamento no caso de crime de abuso de confiança fiscal

 

De acordo com o Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), é punido por crime de abuso de confiança fiscal, com pena de prisão até três anos ou pena de multa até 360 dias, quem não entregar à administração, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a 7.500 euros, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar.

Porém, esta conduta apenas é punível se a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

Esta notificação, no entanto, apenas tem de ser efetuada quando o agente enviou a declaração voluntariamente, ou seja, se a declaração não foi atempadamente enviada à Administração fiscal, o agente não tem de ser notificado, sendo irrelevante que posteriormente, durante uma inspeção efetuada pela Administração fiscal, se venha a entregar as declarações em falta.


O caso

Uma sociedade e os seus gerentes foram condenados pelo crime de abuso de confiança fiscal por não terem procedido à entrega das quantias devidas a título de IRS no salário dos seus trabalhadores e dos valores que liquidaram e receberam dos seus clientes, a título de IVA.

No recurso da decisão alegaram, entre outros argumentos, que não haviam sido notificados para pagamento dos valores em causa, notificação essa exigida legalmente para eventual extinção do procedimento criminal.


Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra

De acordo o RGIT é punido por crime de abuso de confiança fiscal, com pena de prisão até três anos ou pena de multa até 360 dias quem não entregar à administração, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a 7.500 euros, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar.

Porém, os factos acima descritos só são puníveis se:
– tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
– a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

O que está em causa, neste caso, é a exigência de notificação para pagamento. Esta configura uma condição objetiva de punibilidade, ou seja, uma vez efetuada a notificação, se o contribuinte proceder ao pagamento do imposto, juros e coima, o procedimento criminal extinguir-se-á, não havendo por isso responsabilidade criminal.

Segundo o entendimento do tribunal, esta notificação apenas se efetua quando o agente enviou a declaração de liquidação ou retenção, o que significa que se esta declaração não foi atempadamente enviada à Administração fiscal, o agente não tem de ser notificado.

Sendo o abuso de confiança fiscal um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entregou a prestação tributária que devia, ou seja, que se consuma no momento em que o mesmo não cumpre a prestação tributária a que estava obrigado, esta condição objetiva de punibilidade surge como uma última possibilidade de, por ato dependente exclusivamente da sua vontade, preencher uma condição que provoca o afastamento da punição por desnecessidade de aplicação de uma pena.

Porém, apenas podem “beneficiar” desta notificação quem tiver apresentado declaração à administração tributária. O legislador distingue as duas condutas por considerar que quem não apresenta as declarações de liquidação ou retenção tentou esconder as suas obrigações fiscais e, por isso, pratica uma conduta mais gravosa, não podendo por isso “beneficiar” desta última hipótese que lhe é concedida.

Além disso, sublinhou ainda o tribunal que esta notificação deve apenas ser enviada para as declarações que foram apresentadas dentro dos respetivos prazos legais, sendo irrelevante que posteriormente, durante uma inspeção efetuada pela Administração fiscal, se venha a entregar as declarações em falta, pois que a tipicidade da conduta se reporta ao momento em que a omissão ocorre.

Assim, uma vez que no caso concreto, nunca foram enviadas as declarações de liquidação de IVA e de retenção de IRS referentes aos períodos que constam da acusação, não era necessário dar cumprimento à referida notificação.

Referências

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 83/04.4IDCBR.C1, de 10 de outubro de 2012
Regime Geral das Infrações Tributárias, artigo 105.º

Informação da responsabilidade de LexPoint
©
Todos os direitos reservados à LexPoint, Lda

Este texto é meramente informativo e não constitui nem dispensa a consulta ou apoio de profissionais especializados.